sábado, 27 de março de 2010

Deram-nos boleia a Alex e o Scott, ela inglesa ele sul-africano, no Land Rover mais podre em que alguma vez pusemos a bufa (não digo no carro mais podre porque isto aqui em moçambas é sempre a bater recordes…). E lá fomos nós, mais uma vez a perguntar pelo sítio mais barato para ficarmos, numa estrada aí de uns 20kms de terra batida, no meio de coqueiros e mafureiras, com algumas casotas e gentes por ali. Não é que tinham uma espécie de associação e recebiam voluntários? Não é que até tavam a precisar de ajuda? Txii! “Ora somos nós mesmo quem vocês procuram!” e lá ficámos três semaninhas, até há uma semana atrás, que já parece tão longe deste belo Lodge em que estamos agora (estou a fazer pirraça e suspance enquanto dou mais um golinho no meu chá Rooibos e lanço um olho ao sol que se põe à minha frente… =) )

Antes de chegarmos lá à casa, a caminho ligou uma amiga deles. Era a Ivette, vizinha sul-africana, com um Lodge do mais maravilhoso que se possa imaginar. Aconselho a todos. Especialmente aos amantes de cavalos (pai!). Já não me lembro do nome nem encontro o cartão mas se quiserem ver procurem através do Dolphin Lodge que também é deles e deve ter um link (acho que é Tsene, o nome da lagoa salgada e do lodge). É no alto de um monte, vê-se o mar e três lagos, o mais perto, no sopé, é de água salgada o que lhe dá um tom azul clarinho e esbranquiçado. À volta não há mais nenhuma prova de existência humana, coisa impressionante, só desta África. Um belo peixinho grelhado foi o jantar, provámos a tal Amarula e lá fomos conhecer o nosso poiso, onde fomos convidados a ficar. Pediam desculpa que não era tão bonito como o sítio onde tínhamos estado antes e não tinham sequer electricidade. Mas até foi melhor assim, porque as expectativas estavam tranquilas. Até que vimos o sítio. Parece-nos que não o trocávamos por vista nenhuma sobre lagos. A casa era toda de palhinhas, ao estilo sul-africano, sem impacto nenhum na natureza (a casa não se via da praia, só a muitos quilómetros, embora fosse só descer uma ladeira no meio do mato para lá chegar). Toda ela era aberta. A porta do nosso quarto, como dos outros dois, dava para o mar, a sala só sob um telheiro, a cozinha dava para essa “sala” com um balcão no meio. As luzes, candeias de petróleo, apagavam-se cedo e muitas vezes pudemos acordar a ver o nascer do sol no mar depois de adormecer com o som das ondas. Cãnzoada com fartura, o Bali, Snoopy, Braakanian e a Spookie eram a companhia nas caminhadas e mergulhos. Paraíso.

Fizemos snorkeling numa lagoa durante a maré mais baixa da lua cheia, onde vimos todo o tipo de peixinhos tropicais. Eu nunca tinha imaginado tal coisa, nunca tinha feito snorkeling antes e até tava com um bocadinho de medo (pa variar… mas lá vou, vou sempre!). Mas a barriga e o rabo bóiam e passado um bocado está-se num mundo diferente. Nunca tinha imaginado. Não há fotografias e eram as que mais queria mostrar, só vendo… Peixe-dragão, peixe-borboleta, moreias, os pequeninos amarelos e azuis brilhantes e verdes a mudar de tom. Os cabeçudos, narigudos e os que vão à superfície e parecem agulhas. Os que mudam de cor, os corais às cores e os peixinhos escondidos lá para o meio, as anémonas, as esponjas … Como se diz cá: Txii! Olho arregalado e silêncio, um passeio numa natureza nova.

Depois, à noite, jantaradas. Ostras, mariscadas, lagostas, maraxis (comi um cru que uma mamã querida me ofereceu na praia, porque eu disse que não conhecia, ía morrendo. Uma coisa enorme e cor-de-laranja e eu com o sorriso maior que conseguia a agradecer e a mastigar), búzios, peixes-agulha, camarões, mexilhão… E depois pratos ingleses e sul-africanos. Até já gosto de picante, pff… O melhor foi nos anos do Zé, comprámos uma barracuda de 8,5 kg e tivemos peixe para dias. A delícia das delícias.

Era um projecto engraçado. Envolvia cinco vertentes: investigação sobre malária, voluntariado no centro de saúde local e educação para a saúde; uma escolinha creche com aulas de inglês, português, e todo o tipo de jogos e actividades didácticas; aulas diversas para grupos específicos: inglês a adultos, educação para as mulheres, etc.; horta e animais para providenciar uma refeição diária para os meninos da escola, e poço e casa de banho para o uso da população; e ainda um fundo para o envio para a Universidade de Maputo para um jovem, cada dois anos, depois de trabalhar no projecto como intérprete de chope (o dialecto local) português e inglês, e nas actividades das crianças.

Lá ía eu todos os dias para a escolinha, o Zé era o faz tudo e projectava a horta. Fartava-se de cozinhar petiscos e aprendeu tudo o que podia com a pessoa de quem mais gostámos por lá, o Augusto, que era o jardineiro e o pescador. A escola ainda era só um terreno, tudo ainda estava a desenhar-se enquanto se esperavam pelos fundos que já estavam recolhidos lá em Inglaterra. Também fiz o questionário porta-a-porta da malária e praticamente conheci toda a gente, desenhavam-se os laços das famílias que eram quase só uma, a simpatia e cortesia eram de impressionar, as casinhas confortáveis feitas de quartos à volta da sala que era a sombra da árvore central.

Mas tudo chega a um fim, e este foi meio abrupto. As coisas azedaram-se sem darmos bem por isso. A embirração que ainda não percebemos culminou numa manhã de mochila às costas rumo ao cruzamento onde tudo tinha começado. É triste perceber o negócio que a miséria cria em Moçambique. A caridade paga salários altos e rendas e copos a uns e a outros dá o mínimo e “é se queres”. Assim que não era ali o nosso lugar. Partimos para norte.