sábado, 27 de março de 2010

Saudades Tugolândia!!

Aqui vão atrasadíssimas notícias, pedimos tantas desculpas… Mas tem sido um virote constante e como já partimos de Maputo a internet escasseia como previsto. Basicamente as novidades são uns quantos posts no blog, o mês todo de Março. Muita coisa, se calhar é melhor às goladas…
Escrevemos com um lapso de um mês, ainda falta contar tanta coisa até poder chegar ao dia em que estamos… Neste momento escrevo de um Resort de 5*, uma loucura inesperada, só mar e pitéus que nem dão para descrever… Mas já lá vamos =) Ainda temos muito para recordar convosco…

Comecemos pelas despedidas de Maputo. Afinal foi lar num mês das nossas vidas e sentíamos já lhe conhecer os cantos. Cheirámos tudo, dançámos ao som do mais humilde e do mais requintado – a Mafalala é um bairro de ruas alagadas e casas empuzzladas do centro da cidade. Aguarda ser arrombado como já aconteceu a tantos outros bairros assim… Foi construído por pessoas fugidas da guerra, das descriminações e das catástrofes naturais. São remediados, corajosos e sobreviventes os que vivem ali. Um grande amigo nosso, o Clóvis, convidou o Zé a ir lá jantar com ele a casa de una família amiga. Menú: patas de galinha tipo guisadas, que ele achou deliciosas. Eu tinha ido seguir o festival da Marrabenta (já explico) mas assim que souberam que estava já em casa foram-me buscar também. Ali vivia-se da simplicidade, haja comida e cerveja fresquinha, a Europa era longínqua, misteriosa e cheia de complicações. Até o Zé dançou kizomba… Não dava para fazer a desfeita! (Somos agora fãs de uma kizombada “oh côôtaa, essa dama não é pra ti côtaaah”!) A meio da noite passa o boné pela família e amigos numa contribuição para frango assado! Recolheu-se a quantia e lá fomos nós, mulheres, buscá-los. Nem dá para contar. Música a bombar, tudo animado, ainda levámos umas cervejas de graça e rimos que nem perdidas. Fiquei a saber tantas coisas curiosas… E afinal todas fumavam, mas longe dos homens. Tantas diferenças, outras realidades.

Já o Sommerchield não foi a coisa com que mais nos identificámos… Um rapaz do couchsurfing levou-nos lá (nem o conhecíamos, convidou-nos nessa noite, assim… É outra das coisas a tristeza de perceber que há quem goste de ter amigos brancos por estatuto social…). Mas lá fomos a essa festa de anos de um rapaz negro moçambicano com 85% de pessoal branco. Que nem parecia ter grande confiança. Mas enfim. Também colámos um amigo nosso, o Nuno, granda bacano, e lá bebemos uns copos, a música era demais, algum pessoal engraçado. A casa, linda, de linhas rectas e jardim a entrar pela casa. Uma coisa meio nórdica, que jogava bem com o sol e as sombras. No bairro do Sommerchield, onde grandes casarões convivem com pessoas que sobrevivem a vender a castanha do caju (sim, porque ainda há o fruto, uma coisa que só se pode chupar o sumo, a que a castanha está agarrada. Esta só se pode comer depois de torrada senão é intragável de tão picante, o Zé que o diga, já que tinha que provar).

Mas tantas mais coisas… Fui a um programa de rádio falar sobre ambiente e sustentabilidade! Claro que deve ter sido um bocado barraca, porque que sentido dá falar em reciclagem quanto é uma riqueza ter sacos e garrafas e garrafões de água? Claro que se reutilizam, ninguém os deita fora… Ao deitando, é para o chão e aí começa o problema… Mas enfim, pormenores à parte, foi uma experiência tão gira! Ouvir a minha voz perfeitamente, ver os estúdios, etc. Fui com o Clóvis, que já esteve para ser padre e que tem este programa de consciência cívica, em regime de voluntariado, na Rádio Maria! =) Também fui com ele a uma ordenação de padres na Catedral modernista de Maputo. Mulheres e crianças a dançar uma música de anjos mas de jambés e timbilas (um xilofone com cabaças por baixo para fazer o som ressoar). Os pais a entregar o filho à igreja, com ferramentas como catanas e coisas assim, deitados no chão… E a música e o coro e as cores das capulanas…

Ah, e a Marrabenta! O Festival da Marrabenta!

Vivia na nossa casa a grande Luísa, que estava cá pelo InovArtes a fazer um workshop de cinema. Ela é realizadora e entretanto arranjou esta cena de seguir o festival. Eu delirava com a música (queria tanto pô-la aqui! Espreitem na net o Fani Npfumo, Delom Djindji e a Zaida Chongo – só para terem uma ideia do som e da dança desta música tradicional, especialmente do sul do país) e colei-me, eu e o Zé. Fomos a Marracuene no comboio da Marrabenta, alugado pela organização. Artistas, amigos, público e quem mais quisesse, All a Board, o comboio cheio de som e de risos, e umas duas horas para fazer meia dúzia de quilómetros… Lá tinha-se juntado a Marrabenta com o festival local onde tradicionalmente se comia um hipopótamo partilhado por todos, numa zona de lagos, cheio de pássaros e de canhú! Canhú: bebida tradicional feita do canhú, fruto pequeno e amarelado quando está maduro. Espreme-se e fica alcoólico passado poucas horas porque fermenta rápido. Também por causa disso tem que se beber depressa ou passa a vinagre. É bem estranho mas tem fortes conotações afrodisíacas. Dizem que no mês do canhú, Fevereiro, o estado não intervêm em problemas entre maridos e mulheres, como se o diabo andasse à solta e nada se pudesse fazer… Na África do Sul chama-se Marula e é o fruto de que se faz a Amarula. Conhecem? Deve haver por aí. Tem um elefante no rótulo e é tipo Baileys (bom!).
Esse festival levou-nos também à Matola, ao CCFM (Centro Cultural Franco Moçambicano) e a Chókwè, sítio lindo, fértil e longe, onde ficámos com a Luísa no backstage e onde conhecemos bem o Américo, músico dos Galtones e a quem adorávamos levar a Portugal (quem sabe, para o Festival Músicas do Mundo)….

Também fomos à Namaacha, com o grande Zé Avelar, pai do Davids, um amigo de Portugal, que vive cá há 12 anos a trabalhar numa empresa de comunicações . Adora compreender culturas e tem uma visão super interessante das coisas. Além de ser um bacano, deu-nos grandes dicas, levou-nos ao mercado do peixe (só jantámos camarões) e a outros passeios, como a este. Passámos a caminho de lá pela casa de uma família que ele ajudou a alugar o terreno e a fazer uma machamba (horta), e que passa sempre por lá para enterrar composto orgânico e ver como correm as coisas. Lá na Namaacha, perto das fronteiras, onde se une a Suazilândia à África do Sul e a Moçambique, fomos já ao fim do dia, há um microclima húmido e cascatas. Mais um dia a agradecer pelas lindas paisagens do caminho a fora.

O bairro de Chipamanine tem o melhor mercado que fomos. Sapatos, electrónica e artigos de bruxaria. Cabeças de leopardo, peles de cobra, conchinhas, mezinhas e coisas por identificar. O curandeiro designa a maleita e pede certas coisas para proceder à cura. Aí vai-se a Chipamanine, com a lista de compras e o melhor mesmo é cruzar os dedos. Fomos lá para procurar as costureiras mais baratas de Maputo e encontrámos a D. Elisa, Macaense, portuguesa e moçambicana, num quartinho com mais quatro senhoras, entre elas a mãe dela, num sítio recôndito donde se entrava por um corredor através de um bar.

Estranho de contar, mas sublinho as prostitutas da rua do Bagamoio, surreais, lindas, boas demais, baratas como pão e que estão ali também por prazer… Uma cultura onde o sexo é como quem aí vai ao supermercado, a prostituição é um fenómeno indescritível.

Mudando abruptamente de assunto falta falar das nossas meninas adoradas da Casa Madre Maria Clara, um orfanato feminino, dos 3 aos 18 anos, onde nos saltavam para cima e queriam sentir a textura dos nossos cabelos. Fizeram-me trancinhas, jogámos jogos, ajudámos a fazer os trabalhos de casa. Não há ensino por aqui, há o passar de ano obrigatório até à sétima classe, bases inexistentes e tantas dificuldades… Há a falta de carinho e de conversas essenciais para vingar na vida. Mas têm tudo aquilo que precisam e lá na instituição aceitam sempre voluntários que por ali passem a mostrar novos mundos e carinhos. Caso queiram mais informações digam, há uma ligação com a associação Kanghelo que precisa sempre de apoio em variados projectos. Em relação a sítio para ficar parece-me que tinham lá instalações para visitantes, mas isso é uma questão de se organizar. Deixámos a promessa de mais abraços no regresso, porque Maputo é sítio a voltar para estar com todos aqueles que fizeram desse um mês inesquecível…
E os nossos companheiros de nossa casa? A querida Hermelinda e o seu Euclides. E nunca esquecer a nossa Emília que lá trabalhava!

Aurora, o seu presente foi entregue! Grande homem grande, esse seu Shikani. Artista de renome em Moçambique, meio abatido agora por uma doença que o fez operar, recebeu-nos de braços abertos e também prometemos lá voltar. Depois de um dia perdidos pelo bairro do aeroporto, afinal a casa via-se logo, os desenhos marcados em cimento fresco denunciam a casa de um artista e o traço é aquele afinal do Shikani.
De doenças, algumas, coisas estranhas e que já meio esperávamos. O Zé teve uma gastroentrite que nos levou 50€ e deu má-disposição repentina mas que também logo passou, e eu uma infecção que nos tirou do festival lá em Marracuene. Bah, que azar. É mesmo assim, mas com estas vacinas todas, dinheiro e a enorme farmácia aconselhada, somos uma sortudos por aqui e nada nos deita abaixo.

Tantas coisas, tão cheio esse mês. Mas era tempo de partir. Ainda não tínhamos encontrado trabalho depois de N currículos entregues, muito dinheiro a gastar-se e tanta coisa mais para ver… Bora bora, rumo a norte, sem medos, nem sequer dos quilos que temos que carregar. Depois da festa de despedida lá partimos nós. Escolhemos um lugar no mapa pela beleza do nome e lá fomos.